Antes de 1998, conseguir uma linha telefônica fixa no Brasil era como comprar um imóvel. Você declarava no imposto de renda, alugava a terceiros, revendia com lucro. A infraestrutura de telecomunicações brasileira estava congelada há décadas.
Em abril de 1997, uma linha custava R$ 1.200, equivalente a meses de salário para a maioria das famílias. Quando a privatização da Telebrás finalmente aconteceu, em julho de 1998, o verdadeiro impulso para a internet virar uma realidade de massa no Brasil começou a ganhar forma. A internet comercial já existia, mas agora milhões de brasileiros tinham em casa o pré-requisito básico para se conectar.
Além da possibilidade de uma linha telefônica com valor bem mais baixo, um software simples, distribuído em CDs encartados em revistas, marcou a vida de milhões de brasileiros: o discador. Esses programas automatizavam a configuração de rede, eliminavam a necessidade de conhecer protocolos TCP/IP ou digitar endereços DNS manualmente. Você instalava, clicava em “Conectar” e esperava aquele barulho inconfundível. Neste artigo iremos relembrar alguns dos discadores que fizeram muito sucesso no Brasil, mas antes, precisamos entender um ponto fundamental!
O modelo econômico que ninguém entendia direito
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A internet discada brasileira tinha uma peculiaridade que confundia até quem usava todo dia: como diabos o iG conseguia ser gratuito sem cobrar mensalidade? A resposta estava na engenharia de interconexão — e virou caso de Anatel e Cade em poucos meses.
Quando você discava para o número do provedor, tecnicamente fazia uma ligação local. A operadora fixa (Telefônica, Telemar, Brasil Telecom) cobrava o pulso do assinante, mas, por regra de interconexão, tinha de repassar uma parte dessa receita para a rede onde a chamada terminava, normalmente uma operadora parceira do provedor gratuito. Os iG, iBest, Terra Livre e companhia passaram a viver dessa minutagem: quanto mais tempo o usuário ficasse conectado, mais dinheiro entrava. Por isso os discadores rediscaram sozinhos quando a conexão caía e enchiam o usuário de serviços que incentivavam sessões longas — bate‑papo, rádio, jogos, portais cheios de cliques.
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Isso criou o fenômeno do “Madrugadão”. O pico de tráfego da internet brasileira não era às 20h — era à 00h15, quando milhões de pessoas “sufavam na web” simultaneamente após a virada da meia-noite. As centrais telefônicas entravam em colapso. O sinal de “linha ocupada” era tão comum que você precisava de 10, 15 tentativas de discagem até conseguir entrar, principalmente aos fins de semana.
Em março de 2000, o modelo já tinha virado briga pública. No fórum sobre internet gratuita organizado pelo Cade, associações de provedores pagos acusaram as teles de uma “relação incestuosa” com seus próprios provedores gratuitos e alertaram que a partilha de receita seria a principal fonte de renda desses players, expulsando do jogo quem não tivesse uma operadora por trás. A Anatel respondeu que, se uma concessionária repartisse receita com um provedor, teria de fazê‑lo de forma isonômica com todos, em tese, abrindo a porteira para que concorrentes do iG e Terra também acessassem esse dinheiro.
O Cade, por sua vez, começou a analisar se havia preço predatório nesse arranjo. Àquela altura, já tramitavam mais de duas dezenas de atos de concentração envolvendo Terra Networks, Nutec/ZAZ, PSINet e outros, num mercado em que a Telefónica havia comprado o Terra e Telemar e Tele Centro Sul tinham acabado de entrar no capital do iG. Ou seja: enquanto o usuário comemorava “internet de graça”, regulador e concorrentes já viam ali uma disputa pesada por integração vertical entre operadoras e portais — e o risco real de que os pequenos fossem varridos do mapa.
A guerra dos discadores
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Em 9 de janeiro de 2000, o iG (Internet Grátis) entrou no ar e detonou o mercado. Provedores como UOL, Terra e AOL cobravam mensalidades que, corrigidas pela inflação, representavam uma fatia significativa do salário. O iG oferecia acesso sem mensalidade — só o custo dos pulsos.
A campanha de marketing de Nizan Guanaes entrou para a história. O mascote — um West Highland White Terrier branco — apareceu desde o lançamento e virou celebridade instantânea. O discador era colorido, intuitivo, amigável, com logo vermelho (proposital). Comerciais mostravam o cachorrinho “descomplicando” a vida das pessoas. Em dois meses, o iG já tinha 1 milhão de contas de e-mail cadastradas
Nizan tinha um plano visual para o negócio: o logo era vermelho porque a empresa operava “no vermelho” (prejuízo). Quando se tornasse lucrativa, viraria azul. E quando realmente desse muito lucro, seria verde. Em 2001, quando o iG passou a receber repasses das operadoras de telefonia pelo tráfego gerado, a empresa finalmente lucrou — e o logo virou azul. A fase verde nunca chegou.
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A reação do mercado foi imediata. O iBest, nascido do prêmio que reconhecia os melhores sites brasileiros, lançou seu provedor em 2001 usando infraestrutura da Brasil Telecom. Seu diferencial? Estabilidade técnica e uma comunidade fiel que “vestia a camisa”.
Em 2002, chegou o Pop — e com uma proposta diferente. Criado por ex-executivos da Brasil Telecom (Sérgio Creimer, Roberto Almeida e Adriano Campos), o provedor recebeu R$ 10 milhões de investimento da Inoweb, Merrill Lynch e GVT (15%). A estrutura era enxuta: apenas 10 funcionários. A meta era ambiciosa: 500 mil usuários no primeiro ano, operando em 26 cidades do centro-sul como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba e Goiânia.
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O Pop apostou em diferenciais técnicos agressivos. Oferecia 100 MB de espaço para dados pessoais, metade só para e-mails. Tinha ferramenta que unificava mensagens de várias contas de e-mail em uma só caixa postal. Os CDs de instalação vinham com o OpenOffice, pacote de escritório gratuito que poucos brasileiros conheciam. E o plano de negócio era ousado: 60% das receitas viriam de e-commerce através de uma loja virtual que venderia “de tudo” com entrega nacional.
O Terra lançou o “Terra Livre” para não perder usuários. O UOL resistiu mais tempo, argumentando que seu jornalismo e suas salas de bate-papo justificavam a mensalidade, mas acabou cedendo parcialmente.
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Em julho de 2003, as gigantes de telecom finalmente entraram oficialmente no ringue da gratuidade. A Telefônica lançou o iTelefônica e a Embratel o Click21.
O Click21 popularizou o “acelerador de internet”, um proxy de compressão que reprocessava imagens com qualidade inferior para criar a ilusão de velocidade. Funcionava para navegar em sites de notícia; era inútil para downloads.
Neste teste de julho de 2003 da Folha de S.Paulo um comparativo colocou frente a frente iG, iBest, iTelefônica e Click21 usando dois modems diferentes (IBM Data e PC Tel Platinum V9.0). Os resultados mostraram um empate técnico apertado: velocidades oscilando entre 49,2 e 54,6 Kbps, todos muito próximos do teto teórico de 56 Kbps do padrão V.90. O modem IBM Data foi mais consistente, entregando 50,6 Kbps em quase todas as tentativas. O PC Tel chegou a 52 Kbps em 80% das conexões, com picos de 54,6 Kbps no Click21 e iBest.
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A Telefônica tentou uma jogada comercial agressiva: ofereceu 15% de desconto nos pulsos telefônicos para quem usasse o iTelefônica, independentemente do horário. Era uma forma de usar sua própria infraestrutura de telefonia como isca competitiva. Mas já era tarde: a banda larga ADSL estava chegando com força, e o modelo inteiro dos discadores teria poucos anos de vida pela frente.
AOL: a tragédia dos US$ 200 milhões
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Se tem uma história que resume o descompasso entre Brasil e Estados Unidos nessa época, é o fracasso da AOL.
Em 1999, a America Online formou uma joint venture para dominar a América Latina, investindo US$ 200 milhões. A estratégia era simples: reproduzir no Brasil o que funcionou nos EUA: CDs de instalação distribuídos em massa.
Um ano antes, Aleksandar Mandic, fundador de um dos primeiros provedores do país, cravou em entrevista que a AOL estava chegando tarde demais ao Brasil e que só se preocuparia se a empresa viesse colada a marcas como UOL ou o SOL, do SBT, que já tinham dezenas de milhares de assinantes. Na mesma linha, a diretora‑executiva do ZAZ descreveu o mercado como “um pesadelo”, com mais de 400 provedores ativos, 2,1 milhões de usuários e grupos de mídia locais muito mais enraizados do que qualquer player externo
A AOL inundou o país. CDs vinham em revistas (Veja, Exame, Info), jornais de domingo, caixas de correio, até caixas de cereal. Milhões de CDs prensados. O brasileiro transformou aquilo em descanso de copo, item de decoração etc.
Mas o problema não era só a saturação de marketing. Era o produto em si. O software da AOL exigia instalação via CD e funcionava como um “jardim murado”: você não navegava na web aberta digitando URLs livremente. Em vez disso, usava palavras-chave dentro do navegador proprietário da AOL para acessar áreas de conteúdo curadas pela empresa — notícias, fóruns, chats, e-mail, tudo dentro do ecossistema fechado da AOL. Era como uma internet paralela, controlada.
Pior: os primeiros CDs distribuídos tinham bugs que travavam computadores ou alteravam configurações do sistema sem aviso.
A operação sangrou dinheiro por sete anos. Em 2006, a AOL encerrou as atividades no Brasil, transferindo os poucos assinantes remanescentes para o Terra. Foi a maior má leitura de mercado da história da tecnologia brasileira.
E em 2025, a história chegou ao fim definitivo: a AOL anunciou que desligou completamente seus servidores de internet discada encerrando oficialmente o último resquício operacional da era dos modems.
A transição para uma nova era
A banda larga começou a matar a internet discada no Brasil por volta de 2004-2005, quando ADSL (Velox, Speedy, BrTurbo) se massificou. As vantagens eram imbatíveis: 256 kbps iniciais (quatro vezes mais rápido que o teórico 56k) e, o mais importante, linha telefônica livre.

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